Por que o Brasil é um dos maiores alvos do tráfico de fauna?

O Brasil está entre os principais alvos do tráfico de fauna silvestre no mundo e essa é uma das práticas de exploração que mais ameaçam a biodiversidade. Aqui, essa atividade é considerada crime pela Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98) e engloba diversas ações, como captura, coleta, caça, transporte, cativeiro, criação e comercialização de espécies silvestres, todas realizadas sem a devida permissão, licença ou autorização das autoridades competentes.

O tráfico de animais silvestres é uma das atividades ilegais mais disseminadas e lucrativas do mundo, sendo as causas associadas geralmente atribuídas às características socioeconômicas, especialmente em regiões com alta biodiversidade e desigualdade social. Nesse cenário, marcado por altas taxas de desemprego e baixos níveis de escolaridade, o tráfico de animais silvestres desponta como uma atividade potencialmente lucrativa, muitas vezes servindo como fonte complementar de renda para as famílias envolvidas.

Do mesmo modo, devido à sua alta rentabilidade, o tráfico de animais silvestres tem financiado outras atividades ilegais e crimes transnacionais, causando prejuízos econômicos e desestabilização política em países onde a proteção de espécies ameaçadas é limitada. Nessas regiões, os envolvidos na atividade criminosa também dificultam o desenvolvimento, o investimento e o turismo. Mais do que uma questão de conservação ou bem-estar animal, o tráfico e o comércio ilegal de fauna devem ser tratados como um problema de segurança nacional e internacional. Segundo dados da Freeland, o Brasil é o país com maior número absoluto de animais descritos nas notícias que reportaram apreensão em ações de combate ao tráfico de fauna, no intervalo de 2018 a 2020. Considerando somente os animais vivos, ao menos 141.845 indivíduos foram contabilizados.

Dados: Observatório do Tráfico – Freeland 

Pesquisa desenvolvida pela Conservare para a WCS Brasil, no ano de 2024, mostrou que não somente animais vivos são alvo dessa prática, como também animais mortos, taxidermizados, partes e também substâncias, configuradas em biopirataria. Tudo isso torna o trabalho fiscalizatório em rodovias, aeroportos e portos no Brasil ainda mais difícil, visto a alta capacidade dos traficantes em mascarar possíveis casos de tráfico. Nessa mesma pesquisa, foi constatado que somente nos aeroportos do território nacional o qual o IBAMA possui equipe, nos últimos 10 anos (janeiro de 2015 a maio de 2024) foram registrados 789 apreensões

Uma biodiversidade ameaçada

O Brasil abriga cerca de 20% da biodiversidade global, incluindo inúmeras espécies de aves, répteis, mamíferos e anfíbios que são alvo do tráfico. Entre os animais mais visados estão os papagaios, as araras, os micos-leões e os jabutis. O grande problema não se dá apenas na retirada desses animais, mas principalmente no alto índice de óbito decorrido pelas péssimas condições de transporte e manejo desses animais do momento da captura até o consumidor final. Estima-se que a cada 10 animais capturados, apenas 1 chega até o consumidor final com vida, e isso representa grande perda de vida na terra, grande perda de variabilidade genética na natureza e ainda, grande risco à saúde única. 

O mercado consumidor inclui tanto o Brasil quanto o exterior. No caso internacional, a demanda vem principalmente de países da Europa, Ásia e América do Norte, que buscam esses animais para coleções particulares, zoológicos ou como animais de estimação. No mercado interno, o uso cultural, como em rituais espiritualistas, para entretenimento e status social, também contribui para a pressão sobre as espécies.

Impactos ambientais e econômicos

O tráfico de fauna causa graves desequilíbrios ecológicos. A retirada de animais interfere na reprodução e no controle populacional de outras espécies, sejam elas vegetais ou animais, afetando todo o ecossistema. A longo prazo, isso leva à extinção local ou até mesmo global de espécies.

A economia também é afetada. Estima-se que o tráfico de animais silvestres movimenta cerca de US$ 2 bilhões por ano no Brasil, conforme informações do Instituto Libio. Esse dinheiro, entretanto, não gera retorno positivo para a sociedade, pois está ligado a organizações criminosas, evasão fiscal e corrupção, além de muitas vezes estar associado a outros tipos de crimes.

De acordo com o ICMBio, 1.254 espécies e subespécies de animais brasileiros estão ameaçadas de extinção. Desse total, 360 espécies estão criticamente em perigo. Confira a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas clicando aqui.

Estima-se que desde o ano de 1500, foram declaradas extintas 311 espécies de vertebrados terrestres no mundo. No entanto, alguns cientistas acreditam que o número de espécies extintas é maior do que o declarado, principalmente quando temos em vista que não conhecemos 100% das espécies presentes no planeta Terra e também todas as espécies de invertebrados não contabilizados. 

A ação humana é responsável por muitas das extinções de animais. A Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que 150 espécies se extinguem diariamente. 

Falta de fiscalização e legislação ineficaz

O Brasil enfrenta dificuldades para combater o tráfico de fauna devido à vasta extensão territorial e aos recursos limitados. Além disso, o Brasil faz fronteira com 10 países da América do Sul, totalizando uma área de 16.886 km somente de fronteiras terrestres, e para cada um desses países, enfrentamos diversos desafios estruturais de controle aduaneiro.

Segundo um relatório publicado pelo G1, embora as fiscalizações tenham aumentado nos últimos anos, o país ainda carece de equipes e de investimentos em tecnologia para monitoramento ambiental. Além disso, as penas aplicadas aos traficantes muitas vezes são brandas, o que não desestimula a reincidência.

Conforme detalhado pelo Jornal da USP, em 2020, ações como as realizadas pelo IBAMA e pela Polícia Ambiental conseguem recuperar animais e aplicar multas. No entanto, uma vez reintegrados à natureza, muitos animais não conseguem sobreviver devido à perda de habitat. O trabalho desenvolvido pelos Centros de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (CETRAS) é crucial para a sobrevivência, readaptação e reintegração desses animais, contudo ainda carecem de investimentos significativos a fim de proporcionar melhores condições de trabalho para a equipe envolvida, como condições de bem-estar para os animais. 

Além disso, vale destacar que, até hoje, o tráfico de animais silvestres não é tipificado de forma específica na Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98). Essa lacuna jurídica dificulta a aplicação de penalidades mais severas contra essa conduta, já que as ações relacionadas ao tráfico acabam sendo enquadradas em categorias mais genéricas, como maus-tratos ou comércio ilegal de fauna. Atualmente, tramita no senado a PL 752/2023 , a qual visa aumentar as penas para crimes ambientais. Até o momento ela aguarda o parecer do(a) relator(a) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e podemos falar mais sobre ela e demais temas da fiscalização e combate ao tráfico de biodiversidade em breve em nossos canais de comunicação.

Foto: Arquivo Conservare Wild Consulting

Medidas para enfrentar o comércio ilegal 

O combate ao tráfico de fauna exige ações coordenadas entre diversas organizações como IBAMA, ICMBio, Polícia Federal, Receita Federal, Polícia Militar Ambiental, Polícia Rodoviária Federal além de instituições do terceiro setor, que podem apoiar no processo de acolhimento e destinação desses animais. Vale ressaltar ainda o importante papel que empresas privadas podem desempenhar na proteção da fauna, na mitigação de danos, financiando projetos e desenvolvendo ações voltadas a essa temática, como no fomento da criação de espécies ameaçadas. 

A conscientização pública é um fator-chave, como campanhas desenvolvidas pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) destacam a importância de denunciar atividades suspeitas e de não adquirir animais silvestres de origem ilegal. Nesse sentido, o desenvolvimento de políticas públicas como os Planos de Ação Nacional (PANs) e Planos de Ação Territoriais (PATs) de Conservação da Biodiversidade, não só desenvolve importantes pesquisas que servem como alicerce principal fortalecendo o trabalho de combate, como também desenvolvem ações de ciência cidadã, conscientizando e tornando o público geral uma importante ferramenta de enfrentamento a esse crime. 

A criação de redes internacionais de fiscalização e a troca de informações entre países são estratégias que podem fortalecer o controle. Assim também, o fortalecimento de políticas públicas voltadas à conservação ambiental também é essencial, conforme apontado em relatório da ONU.

O Observatório do Tráfico da Freeland é uma das ferramentas mais importantes, hoje, no entendimento sobre os reais números de apreensões, fiscalização, comunicação e rotas de tráfico. 

Da mesma forma, no Brasil a  Wildlife Conservation Society (WCS-Brasil), juntamente com a Polícia Federal, desenvolve Oficina IMPACTAS (Iniciativa Multiagências Para o Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, a qual promove a conexão entre as principais agências fiscalizatórias brasileiras, bem como o incentivo à educação e informação do público leigo. 

Conclusão

O Brasil é alvo do tráfico de fauna devido à sua biodiversidade, à alta demanda por animais silvestres e às lacunas na fiscalização, combinado com a desigualdade social do país. O impacto desse comércio ilegal vai muito além das perdas ambientais: ele alimenta redes criminosas e ameaça o equilíbrio ecológico, socioeconômico e representa um grande risco á saúde única global, a pandemia do COVID 19 é um dos exemplos mais recentes disso. Enfrentar essa questão requer investimentos em fiscalização, legislação mais severa e a conscientização da população sobre os danos causados por essa prática.

A Conservare, em todas as suas atividades, busca contribuir no combate a esse tipo de crime, seja através de parcerias estratégicas com empresas, órgãos públicos e instituições do terceiro setor, como também atuando ativamente no desenvolvimento de projetos de conservação e na aplicação de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico. 

E pensando em compartilhar com cada um de vocês conhecimentos aprofundados sobre essa temática, bem como promover a troca de informações e gerar conexões produtivas entre as instituições, nos dias 4 e 5 de Junho, iremos promover a 1º edição do nosso evento Vozes pela fauna: Fórum de Combate ao Tráfico de Vida Silvestre. O encontro contará com grandes nomes do combate ao tráfico de fauna silvestre no Brasil, com apresentações, debates e muita troca de experiências. 

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Autoria do texto e Design: Beatriz Morais 

Revisão técnica: Celina Yoshihara e Carolina Vanin


Referências

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